Festas de São João em todo o Brasil estão incluindo intérpretes de Libras nos palcos. Cultura surda e tradição nordestina agora dividem o mesmo ritmo
A cena tem se repetido nas festas juninas por todo o Brasil: intérpretes de Libras ao lado de artistas do forró, traduzindo cada verso, batida e emoção para o público surdo. Em 2025, essa imagem deixa de ser exceção e ganha protagonismo nos palcos, marcando
um novo momento para a cultura popular nordestina.
Para a professora Érica Matos, o que acontece hoje é um reencontro simbólico entre dois mundos que sempre foram brasileiros, mas nem sempre estiveram juntos. “Estamos vendo o povo surdo e o povo nordestino dividindo um mesmo espaço de expressão. Ambos são produtores
de culturas riquíssimas e, agora, finalmente se encontram num dos palcos mais simbólicos do Brasil: o São João”, afirma Érica Matos, docente da Ages - instituição que integra o maior e mais inovador ecossistema de educação de qualidade do Brasil: a Ânima.
Érica também é especialista em Educação Especial e mestre em Educação.
O que antes era exceção, agora se fortalece como um movimento de inclusão. Profissionais da Língua Brasileira de Sinais estão sendo aplaudidos ao lado de grandes nomes da música nordestina, criando uma linguagem para a festa mais amada do Brasil.
“No tradicional Arraial do Povo, em Aracaju (SE), intérpretes se apresentam em pontos privilegiados do palco, decorado em xilogravura, dividindo a cena com os artistas. A presença deles vai além da tradução: é também dança, interação, conexão”, disse.
O que diz a Lei Brasileira de Inclusão?
A presença dos intérpretes não é apenas um gesto bonito: é também um direito garantido por lei. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI – nº 13.146/2015) exige que eventos públicos ofereçam acessibilidade integral. E isso inclui a presença de profissionais da Libras
nos palcos de grandes festas populares.
“Ter intérprete não é gentileza, é direito. Estamos corrigindo uma injustiça histórica com uma comunidade que já foi silenciada”, explica a professora.
Além disso, o acesso à cultura é um direito previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e reforçado na Constituição Federal.
Uma dança que é de todos
A mensagem que vem dos palcos juninos deste ano é clara: ouvir o som da cultura também pode ser feito com os olhos e com as mãos. É possível dançar forró sendo surdo. É possível viver o São João com plenitude, mesmo sem escutar — desde que se garanta o acesso.
“Escutar um forrozinho no frio do São João é parte da vida nordestina — e isso também é direito do surdo. Eles não podem continuar invisíveis nas festas que, no fundo, também são deles”, destaca Érica.