Isis Nicoly Mangueira foi reconhecida no evento “Orgulho Negro Feminino”, promovido pela Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres, por sua contribuição na área jurídica, acadêmica e social

Em um país ainda marcado por desigualdades raciais e sociais onde, frequentemente, as contribuições das periferias e de pessoas negras, especialmente mulheres, são silenciadas, valorizar trajetórias femininas negras torna-se um gesto político. Mais do que destacar conquistas individuais, é uma forma de romper com a exclusão histórica e tornar visível o que muitas vezes foi invisibilizado. Com essa proposta, a Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres realizou o evento “Orgulho Negro Feminino”, reunindo mulheres negras de diferentes áreas de atuação para reafirmar sua importância, frequentemente exercida em cenários desafiadores.

Foram homenageadas mulheres que têm superado barreiras históricas e se tornado referência para as próximas gerações. A iniciativa também lança luz sobre a necessidade de ampliar a representatividade nos espaços de poder e valorizar o papel dessas mulheres na construção de comunidades mais equitativas. Segundo dados do IBGE, mulheres negras representam mais de 28% da população do país, mas continuam sendo uma das parcelas mais atingidas por desigualdade, violência e apagamento institucional, realidades que eventos como este buscam transformar.

Entre as personalidades reconhecidas nesta edição, esteve Isis Nicoly Mangueira, advogada criminalista, mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (Unit) e pesquisadora das relações entre gênero, raça e tecnologia. Para ela, estar presente na cerimônia foi uma vivência marcada por acolhimento e identificação. “Foi uma vivência afetiva e simbólica. Um lugar de memória, afirmação e pertencimento, algo essencial em um país onde tantas de nós ainda são invisibilizadas”, destacou.

A homenagem, recebida de forma inesperada, teve um peso coletivo para Isis. “Mais do que um mérito pessoal, percebi aquilo como um olhar direcionado a todas as mulheres negras periféricas que, como eu, continuam enfrentando barreiras. Senti um forte sentimento de amor, ancestralidade e união coletiva”, afirmou. Em seu discurso, a pesquisadora enfatizou a importância de ocupar ambientes que historicamente excluíram mulheres negras. “Quis afirmar que nossos corpos negros, nossos saberes e existências têm valor. Estar em espaços de decisão e produção de conhecimento é uma escolha política. E não estamos sozinhas”, reforçou.

O Direito como ferramenta de transformação

A trajetória de Isis é movida por três eixos interligados: atuação jurídica, produção acadêmica e envolvimento social. Na advocacia criminal, lida com as injustiças que recaem sobre os corpos periféricos. No mestrado, sua investigação busca compreender de que forma a tecnologia pode perpetuar sistemas opressivos. E nas comunidades, promove ações de formação e escuta ativa. “Esses campos dialogam entre si. A prática jurídica me coloca em contato com as violações, a pesquisa me oferece base para pensar mudanças estruturais e o trabalho comunitário é o que dá sentido a tudo que faço”, resume. A escolha pelo Direito, segundo ela, surgiu da urgência em reagir às injustiças que presenciava desde cedo em seu território.

Como estudante do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Tiradentes, Isis desenvolve um estudo focado nas interseccionalidades entre gênero, raça e tecnologia. Seu trabalho busca compreender os impactos desiguais de ferramentas tecnológicas, como algoritmos, reconhecimento facial e monitoramento digital, sobre populações negras, trans e periféricas. “O que pesquiso na academia tem conexão direta com o que vivencio fora dela. Os dados que analiso têm nomes e histórias. E o conhecimento que construo também alimenta minha atuação na advocacia e nas formações que organizo”, explica.

Equilibrar as atividades de mestrado, advocacia e maternidade tem sido um desafio constante, mas também um processo de reafirmação. “Tenho aprendido que posso produzir conhecimento sem abrir mão de quem sou, da minha origem e das práticas que me constituem. Isso tem sido transformador”, pontua. Entre suas principais influências intelectuais, Isis cita grandes pensadoras negras brasileiras, como Conceição Evaristo, Carla Akotirene e Bárbara Nascimento, mas destaca que suas maiores inspirações vêm de mulheres próximas. “As mulheres da minha família, as mães solo, as líderes comunitárias, as mulheres de axé. São elas que me mostram, com coragem e dignidade, o que é sabedoria ancestral, resistência diária e força de existir em um mundo que insiste em nos apagar”, ressalta.

Além de concluir o mestrado e iniciar os estudos de doutorado, Isis também pretende ampliar sua atuação junto à juventude periférica, com foco especial em mulheres negras e pessoas LGBTQIAP+. “Quero criar espaços de formação jurídica crítica, onde possamos refletir o Direito como uma ferramenta de emancipação, e não como instrumento de exclusão”, finaliza.

Por: Laís Marques

Fonte: Asscom Unit